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Uma em cada 5 crianças no Brasil é filha de meninas adolescentes

Cerca de 60% das adolescentes que engravidam enfrentam dificuldades devido a exclusão social e falta de apoio da família ou do pai da criança.

A gravidez na adolescência é um dos maiores problemas do Brasil. Segundo dados do Ministério da Saúde (MS), 18% dos brasileiros nascidos são filhos de mães adolescentes, isso representa 400 mil casos de gravidez na juventude por ano. Quanto à distribuição demográfica, a região com maior número de mães jovens é o Nordeste, concentrando 180 mil nascidos ou 32% do total. No Estado do Ceará, dentre as mulheres grávidas, 17,8% representam um grupo de meninas entre 10 e 19 anos, segundo dados da Secretaria da Saúde do Ceará (Sesa). Em conjunto com as taxas de gravidez na adolescência, cresce o número de mulheres excluídas da sociedade em virtude da gestação. A exclusão acontece em diversos ambientes, como escolar, familiar e profissional e pode acarretar diferentes consequências.

Em entrevista com a psicóloga Rafaelly Naira, 26, ela explica que a gestação na adolescência pode causar graves problemas estruturais, além de afetar a saúde mental da mulher. “De acordo com a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), a gravidez na adolescência pode levar a manutenção de desigualdades socioeconômicas. Isso porque, em geral, ocasiona uma diminuição do leque de possibilidades sociais e econômicas, inclusive em termos do acesso à escola e, consequentemente, reduz as chances de melhores condições de emprego e renda.

Rafaelly Naira, psicóloga / Créditos: Mariani Sobrinho

Com isso, a gravidez na adolescência pode

contribuir para o aumento da pobreza, baixo nível de escolaridade, abuso e violência familiar, tanto à mãe quanto para a criança. Além disso, por vezes, essas adolescentes naturalizam as condições de viverem para procriação e reduzem as possibilidades de sobrevivência ao trabalho doméstico”, diz ela.

Rafaelly Naira, psicóloga / Créditos: Pedro de Carvalho

ABORTO COMO ALTERNATIVA

Outro problema presente nas gestações das jovens é o aborto, que consiste na interrupção de uma gravidez resultante da remoção de um feto antes de este ter a capacidade de sobreviver fora do útero. A falta de apoio de outras instituições, como a própria família, contribuem para o aumento do número desse procedimento. Ademais, existe ainda o aborto espontâneo, que é a morte natural do feto antes de este ter a capacidade de sobreviver fora do útero.

 

Nessa perspectiva, de acordo com a psicóloga Rafaelly, é possível perceber que muitas adolescentes recorrem ao aborto pelo fato de a gravidez se mostrar de forma inesperada ou indesejada. Em entrevistas, as jovens relataram que a ideia de interromper a gestação vem de amigas e familiares, mas principalmente dos seus parceiros, sendo estes os influenciadores decisivos para a realização do aborto. “Portanto, é fundamental o apoio e o acolhimento da família, dos amigos, bem como do pai da criança, mesmo que não exista uma relação afetiva estável. O papel de todos é o de rede de apoio. Inclusive para que a grávida não se sinta culpada pela situação e isso a leve a um isolamento social. O intuito é que a gravidez não se apresente enquanto empecilho para que a adolescente deixe de buscar seus projetos futuros”, frisa.

 

Porém, diante de uma gravidez que é fruto de um abuso sexual, a psicóloga diz ser fundamental o papel da família e dos profissionais da saúde na hora de esclarecer que a adolescente tem a opção de não levar a gestação adiante de forma segura e seguindo a lei. A interrupção de uma gestação é legal nos casos de estupro, se o feto for anencéfalo (ausência parcial do encéfalo) ou se colocar a vida da gestante em risco. Entretanto, o prazo-limite para que o procedimento seja feito é de no máximo 22 semanas de gestação ou até o feto pesar 500 gramas, o que suceder primeiro. Para solicitar o procedimento, a mulher precisa ir a um hospital, passar por avaliações médicas e assinar o termo de consentimento. Em caso de estupro, não é necessário autorização judicial ou Boletim de Ocorrência, pois a palavra da mulher deve ser tomada como verídica. Caso o médico ou o hospital se neguem a realizar o procedimento, é possível recorrer à justiça, já que isso se trata de violação ao direito da mulher.

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Por isso, Rafaelly explica sobre prevenções que devem acontecer, de modo a melhorar o processo de gestação das mulheres e assim, precaver a exclusão vivenciada pelas jovens, além de possibilitar as gestantes os seus direitos em questão do aborto legal. “A escola, por exemplo, precisa se preparar, deve ter uma articulação em rede para receber uma adolescente grávida, de modo a envolver professores, funcionários, a própria comunidade e outros equipamentos sociais do entorno como, os serviços de saúde e assistência social”. Além disto, segundo a psicóloga, um ambiente acessível e inclusivo às necessidades das gestantes devem proporcionar desde flexibilidade para ir ao banheiro nas horas aulas, como contribuir com uma orientação em relação a exames, a pré-natal, vacinas e promover, sempre que possível, debates sobre métodos contraceptivos e empatia. A profissional ressalta ainda que além da escola, os outros ambientes, como profissional, também devem adquirir uma cultura de inclusão, de forma cooperativa para facilitar a vida da mulher grávida.

CONSTRANGIMENTOS APÓS O NASCIMENTO DO BEBÊ

O constrangimento causado nas jovens gestantes acontece também após o parto, onde as mães se sentem julgadas, por exemplo, ao saírem sem o bebê. Anna Carolina, 23, mãe aos 18 anos, relata em diversos momentos passar por situações de opressão e intimidação por estar grávida com aquela idade.

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Quarto da Anna Sophia / Créditos: Mariani Sobrinho

“Em relação às pessoas, eu me sinto bastante incomodada e julgada. Aconteceram situações em que as pessoas me excluíam, como se eu não pudesse ter uma vida normal tendo uma filha. Eu sou mãe, mas eu também sou mulher, sou humana. Tenho o direito de curtir, sair com as minhas amigas e tudo”, expressou Carolina, mãe da pequena Anna Sophia.

Além disso, existem adolescentes que são mães solteiras e passam, além das dificuldades de criar uma criança sozinha, por um julgamento da

sociedade. Danielle Gois, 21, engravidou de gêmeas aos 20 e passou por frequentes momentos em que foi considerada como uma pessoa incapacitada de cuidar de suas filhas, pois na época estava solteira. “Meu relacionamento passou por uma fase difícil e ficamos separados por dois meses. Fui bastante julgada pela minha família e pela sociedade, imagine quem é mãe solteira desde o teste ter dado positivo, o que essa pessoa deve sofrer”, declarou.

Mãe da Ísis e Iris, Danielle, afirma que sua gravidez, por ser de risco, foi ainda mais complicada e as opiniões alheias sobre ela ser nova demais para estar grávida, apenas agravaram a situação. “No meu caso, que foi uma gravidez de risco, teria me ajudado muito se tivessem me auxiliado mais e falado menos. Na época, eu não podia fazer muito esforço, por ser uma gravidez complicada. As pessoas falavam que minha vida não tinha acabado por eu estar grávida, mas elas não tinham empatia, nem pensamentos positivos ou atitudes positivas. Preferia que não julgassem, seja falando ou com ‘aqueles’ olhares.” expressa Danielle.

 

A gravidez na adolescência possui diversas dificuldades, como abortos, constrangimentos, falta de apoio da família e outras instituições, que na maioria das vezes se agravam a partir do momento em que as gestantes passam por situações de humilhação e exclusão. Com isso, a profissional de psicologia, Rafaelly, enfatiza a importância de se debater sobre a gravidez na adolescência. ‘’Debates e rodas de conversa sobre diferentes tipos de preconceito devem existir no ambiente profissional, escolar e se possível, familiar, independente da gravidez na adolescência, contudo, essa é uma boa oportunidade para desenvolver um trabalho em função do combate ao sexismo. Além disso todos os jovens devem ser acompanhados mediante uma perspectiva de projetos de vida, para que consigam vislumbrar um futuro para além daquilo que socialmente a eles foi destinado. Fazendo assim valer as prerrogativas dos direitos humanos”.

CONVERSA COM ESPECIALISTA

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